Conferência de Lisboa 2022: Países lusófonos reúnem-se para alargar os mecanismos para a recuperação de activos
As autoridades nacionais dos países de língua oficial portuguesa, incluindo Angola, Cabo Verde, Moçambique e Timor-Leste, deram um importante passo em frente na exploração do potencial do confisco civil para recuperar bens ilícitos. Na Conferência de Lisboa de 5-7 de Julho de 2022, representantes de alto nível destes países reuniram-se com peritos internacionais. Juntos, exploraram leis de confisco civil (NCBF em inglês) – mecanismos para confiscar os produtos de corrupção e de outros crimes quando uma condenação criminal não é possível.
A Conferência procurou alargar a compreensão do confisco civil e da sua aplicação nos países de língua portuguesa entre os cerca de 200 procuradores, juízes, investigadores, académicos, advogados e outros participantes.
As delegações de Angola, Cabo Verde, Moçambique e Timor-Leste incluíam representantes do Parlamento, Supremo Tribunal, Ministério da Justiça, Procuradoria-Geral da República, Unidade de Informação Financeira, entre outros. A Procuradoria-Geral da República de São Tomé e Príncipe enviou também uma delegação.
Esta ampla representação internacional, ao mais alto nível, foi importante. A vontade política, a confiança e a cooperação entre instituições e fronteiras são cruciais para o desenvolvimento e implementação de tais leis.
Debates e perspectivas ao longo de três dias
O Dia 1 da Conferência teve lugar no Auditório da Polícia Judiciária Portuguesa e contou também com a presença da Procuradora-Geral da República de Portugal. Oito peritos internacionais abordaram tópicos incluindo a importância da recuperação de activos no combate à corrupção e como a cooperação internacional funciona na prática nos casos deconfisco civil.
Este dia foi também aberto à participação virtual, com mais de 110 participantes de Angola, Brasil, Cabo Verde, Moçambique, Portugal e Timor-Leste.
O Dia 2, apenas no formato presencial e com as delegações de Angola, Cabo Verde, Moçambique, Timor-Leste e São Tomé e Príncipe envolveu debate entre os participantes e dois procuradores portugueses experientes. Estes esclareceram os aspectos práticos da adopção e aplicação dos mecanismos do confisco civil nos respectivos países.
O Dia 3, igualmente em formato presencial e com as referidas delegações, apresentou aos participantes a experiência do Peru na aplicação do seu regime de extinção de domínio (NCBF) para confiscar bens tanto a nível nacional como internacional através de auxílio judiciário mútuo. Parte desta partilha de conhecimentos incluiu o enfoque na jurisprudência emergente em relação à aplicação da lei de extinção de domínio do Peru.
Em última análise, estes conhecimentos certamente ajudarão os participantes a conceber e implementar mecanismos eficazes e apropriados de confisco civil na respectiva legislação, bem como a colmatar lacunas na legislação existente em matéria de confisco criminal.
Pontos-Chave
Uma das principais conclusões foi que a legislação penal existente sobre confisco de bens precisa de ser melhorada para permitir que os mecanismos de perda sem condenação criminal já existentes sejam efectivamente aplicados nos processos. Um exemplo é que as vantagens e não apenas os instrumentos e o produto do crime, devem poder ser confiscados através da perda sem condenação criminal em todos os países - algo que ainda não está previsto em na legislação de alguns dos países beneficiários.
Melhorar e harmonizar os mecanismos de confisco criminal reforçaria a eficácia do confisco nos processos criminais. Isto permitiria aos países examinar a possibilidade do confisco civil para situações que não podem ser resolvidas num processo penal mesmo utilizando os mecanismos existentes.
Outras conclusões retiradas:
- Deve ser assegurado o devido processo nos casos de confisco civil incluindo a garantia de um procedimento contraditório de modo a salvaguardar o respeito pelos direitos de propriedade.
- Os direitos dos terceiros de boa fé são amplamente garantidos e reconhecidos na legislação penal existente em todos os países. É necessário deixar claro que o mesmo princípio se aplica aos processos de confisco civil.
- Nos casos de confisco civil é aplicado o padrão civil de prova (equilíbrio de probabilidades), que é uma diferença fundamental em relação aos processos penais. Alguns códigos penais existentes já permitem que o confisco seja determinado com base no padrão civil de equilíbrio de probabilidades. A sua aplicação na prática já permitirá que os actores judiciais confisquem mais bens ilícitos.
- A natureza jurídica do confisco civil continua a ser um tema de debate – em particular, a ideia de que o confisco não é uma sanção, sendo, portanto, admissível o confisco civil.
Uma iniciativa mundial
A Conferência é apoiada pelo Bureau of International Narcotics and Law Enforcement Affairs (INL) do Departamento de Estado dos Estados Unidos, no âmbito do programa mais vasto: Apoio à adopção de legislação de confisco civil como ferramenta para a recuperação de activos.
O Basel Institute on Governance está a implementar o programa de dois anos, que procura ajudar as autoridades de 10 países a aumentar a sua capacidade de recuperar bens roubados através de legislação eficaz e apropriada do confisco civil.
A Conferência de Lisboa foi a primeira reunião presencial da Comunidade de Aprendizagem e Conhecimento criada pelo programa entre os países de língua portuguesa. A Comunidade e um espaço para os participantes trocarem experiências sobre a utilização de métodos de confisco civil, analisar e debater os desafios e benefícios dessas leis para a recuperação de bens, e divulgar as melhores práticas. Servirá como um excelente fórum para trabalhar sobre as necessidades identificadas na conferência, de modo a melhorar e harmonizar os mecanismos de confiscação existentes entre os países.
Representando os Estados Unidos na Conferência, Tamara Schuman, Conselheira Geral Adjunta, Federal Bureau of Investigation salientou que os EUA utilizam extensivamente as leis do confisco civil (NCBF), afirmando
"O confisco civil (NCBF) é um instrumento crítico para a recuperação de activos, particularmente nos casos em que os rendimentos são transferidos para o estrangeiro ou em que foram feitas tentativas para esconder a propriedade. De facto, em muitos casos, é o único mecanismo à disposição dos procuradores e das autoridades policiais para recuperar o produto do crime e restaurar a justiça às vítimas... A promulgação e utilização de leis de confisco civil ( NCBF) proporcionará oportunidades adicionais para prosseguir a justiça nos vossos países e para construir alianças estratégicas, cooperação e parcerias internacionais.”
Um complemento essencial para outros mecanismos de recuperação de bens
As leis de confisco civil existem há muitos anos em vários países sob uma grande variedade de formas. Tratados internacionais tais como a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (UNCAC) e organismos de normalização tais como o Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI) apoiam tais leis como um complemento crítico a outros mecanismos de recuperação de activos.
Como Iker Lekuona, Chefe de Programas do ICAR, afirmou nos comentários de abertura da Conferência de Lisboa:
"As leis de confisco civil são particularmente poderosas nos casos de corrupção, onde é muitas vezes impossível rastrear o produto da corrupção até um acto de corrupção específico. Ao aumentar as possibilidades das autoridades para recuperar o produto da corrupção e de outros crimes, tais leis também ajudam a assegurar que 'o crime não compensa'. Desta forma, ajudam a dissuadir a corrupção e, em última análise, a aumentar a confiança dos cidadãos no Estado.”
Apesar da sua promessa, as leis de confisco civil ainda não são amplamente utilizadas nos países de língua portuguesa. Embora alguns mecanismos de perda ou confisco sem condenação se encontrem nos códigos penais (ou outras leis) de Angola, Cabo Verde, Moçambique e Timor-Leste, as disposições em alguns casos estão limitadas aos instrumentos e produto e noutros, que já incluem as vantagens, não são efectivamente aplicadas.. Portugal, por seu turno, tem os mecanismos de perda ou confisco sem condenação criminal e possui experiência na sua aplicação.
A introdução de formas cada vez mais poderosas de perda ou confisco na legislação dos países de língua portuguesa certamente trará maior capacidade de recuperação de bens ilícitos em benefício dos cidadãos.
Mais
- Veja o breve relatório e recomendações.
- Veja a lista de reprodução da conferência no YouTube.
- Como parte do seu apoio contínuo a Moçambique e outros países de língua portuguesa na luta contra a corrupção e recuperação de bens, o Basel Institute disponibilizou vários dos seus guias rápidos e cursos de eLearning em português. Encontre-os em: learn.baselgovernance.org (mudar a língua do website para português).
- A Conferência é uma oferta do Governo dos Estados Unidos. A Conferência e os materiais são financiados por uma subvenção do Departamento de Estado dos Estados Unidos. As opiniões, argumentos e conclusões expressas são as dos indivíduos e não reflectem necessariamente as do Departamento de Estado dos Estados Unidos.